“Uma festa vigiada: quando o aparato do Estado toma parte na celebração de uma criança”

Na manhã de sábado 18 de outubro de 2025, a adolescente Laura Bolsonaro celebrará seus 15 anos — data que, no Brasil, carrega forte simbolismo de passagem, debutante e rito de protagonismo familiar. Só que a festa será diferente: limitada a nove convidados previamente autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF), marcada para dentro da residência em que seu pai cumpre prisão domiciliar.

OPINIÃO

Wilson Camilo

10/18/20252 min read

A imagem de uma família precisando pedir autorização judicial para comemorar o aniversário de 15 anos da filha de um ex-presidente diz mais sobre o Brasil do que mil discursos.
A Justiça concedeu, com restrições, o pedido para que Jair Bolsonaro pudesse celebrar a data de Laura, sua caçula, dentro da casa onde cumpre prisão domiciliar. Nove pessoas foram autorizadas a entrar. Os veículos seriam revistados. Tudo sob a supervisão do Estado.

Não se trata de defender ou absolver Bolsonaro. Trata-se de entender o ponto em que o exercício legítimo do poder punitivo cruza a linha da dignidade humana.
A Constituição é clara: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado”. Jair Bolsonaro, até aqui, não foi condenado definitivamente em nenhum processo criminal.
Ainda assim, vive sob restrições que se aproximam de uma pena — sem o selo do julgamento final.

O nome técnico disso é medida cautelar.
O sentido político, no entanto, tem outro sabor: é a tradução moderna do velho impulso de fazer o exemplo valer mais que a lei.
Quando um ministro do Supremo precisa autorizar uma adolescente a soprar velas com os amigos, o problema já não é mais jurídico — é simbólico.
É o Estado dizendo: “Mesmo em casa, a sua vida me pertence”.

Há quem veja nisso uma demonstração de força institucional. Outros veem um gesto de vingança travestido de rigor técnico.
De um lado, há o argumento da precaução: preservar a investigação, evitar contatos políticos, garantir a ordem pública.
De outro, o alerta civilizatório: não se combate o abuso de poder com outro abuso de poder.

Medidas cautelares são legítimas quando proporcionais. Mas quando começam a invadir o território da vida íntima e familiar, passam a se confundir com punição antecipada.
O princípio da proporcionalidade — que deveria ser a alma do Estado de Direito — corre o risco de se tornar mera formalidade.

E há ainda o fator humano.
O aniversário de 15 anos, no imaginário brasileiro, não é apenas uma festa — é um rito de passagem.
Laura Bolsonaro, como qualquer adolescente, mereceria celebrar sua data sem que isso fosse notícia judicial.
Mas num país em que a política contaminou até o bolo, a inocência virou manchete.

A pergunta que resta é dura, mas necessária: quando a Justiça começa a se confundir com vingança, quem a controla?
O poder de punir não é ilimitado; ele deve ser medido pelo que protege, não pelo que destrói.
Uma democracia madura não precisa transformar a dor alheia em troféu moral.

Hoje, mais do que nunca, o Brasil precisa escolher se quer um Judiciário que aplique a lei — ou um que a encene.