Pressão sobre família de Mauro Cid: legítimo interesse público ou grave ameaça?
Num tempo em que a Justiça parece cada vez mais submetida à lógica do "tudo vale", ganha destaque a coragem de um advogado — ainda que seu nome não esteja nos holofotes — por dizer "não" quando pressionado a entregar informações sobre a família de seu cliente.
Redação
9/2/20252 min read


A recente decisão do Procurador-Geral da República (PGR) de solicitar explicações a Mauro Cid sobre a viagem de seus familiares ao exterior trouxe à tona uma discussão jurídica e ética de grande relevância: até que ponto o Estado pode avançar em suas investigações sem ultrapassar os limites da legalidade e da dignidade humana? Quando a atenção das autoridades se volta para parentes de um réu, não corremos o risco de transformar o devido processo legal em instrumento de coação?
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, tem sido figura central em investigações sensíveis. Já prestou depoimentos, firmou acordo de colaboração e se tornou uma das vozes mais observadas nos processos que envolvem o ex-chefe do Executivo. No entanto, a exigência de esclarecimentos sobre os movimentos da sua família acende um sinal amarelo: qual a pertinência desse tipo de medida? Seria interesse legítimo da persecução penal ou um recurso indireto para aumentar a pressão sobre o colaborador?
A legislação brasileira é clara quanto aos limites do poder estatal. A Lei 9.455, de 1997, define como crime de tortura “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão”. A ameaça, ainda que indireta, dirigida a familiares, pode configurar justamente esse tipo de constrangimento. Assim como um assaltante que coloca um revólver na cabeça da filha da vítima para forçá-la a abrir o cofre, utilizar familiares como moeda de pressão em uma investigação também pode ser entendido como tortura, na forma mental e psicológica prevista pela lei.
O próprio sofrimento do investigado diante dessa situação não é apenas retórico. Em audiência, Mauro Cid se emocionou ao abordar a situação da sua família, demonstrando que a pressão não se limita a ele, mas transborda para aqueles que nada têm a ver com os atos investigados. Atingir a esfera familiar de um réu como forma de obter informações extrapola a função do Estado e macula a legitimidade do processo.
É evidente que a Justiça deve apurar com rigor todos os fatos que envolvem figuras públicas e situações de grande repercussão nacional. A sociedade exige respostas, transparência e responsabilização. Mas os meios utilizados não podem violar princípios constitucionais, nem ignorar a fronteira que separa a persecução penal legítima da coação inaceitável.
Se familiares de investigados passam a ser utilizados como instrumentos de pressão, o risco é enorme: corremos o perigo de inverter a lógica do Estado de Direito e aproximar a Justiça daquilo que a própria lei denomina tortura. Cabe às instituições buscar a verdade, sim — mas sempre dentro da legalidade. Do contrário, em vez de fortalecer o sistema democrático, estaremos fragilizando-o pela raiz.