Judiciário sob suspeita: São Gonçalo vira “trincheira” de perseguição contra jornalista que denunciou corrupção no sistema penitenciário

O que deveria ser um templo de justiça pode estar se transformando em um campo de caça. Pelo menos seis ações judiciais tramitam na comarca de São Gonçalo (RJ) contra o mesmo alvo: um jornalista que há anos denuncia esquemas de corrupção e favorecimento ilícito envolvendo altos escalões do sistema penitenciário do Rio de Janeiro.

ABUSO DE AUTORIDADES

8/10/20253 min read

O que deveria ser um templo de justiça pode estar se transformando em um campo de caça. Pelo menos seis ações judiciais tramitam na comarca de São Gonçalo (RJ) contra o mesmo alvo: um jornalista que há anos denuncia esquemas de corrupção e favorecimento ilícito envolvendo altos escalões do sistema penitenciário do Rio de Janeiro.

Entre os autores dessas ações estão policiais penais, agentes públicos e figuras ligadas a ex-secretários da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), alguns dos quais já foram presos. Estranhamente, todos esses processos se concentram no mesmo foro, mesmo quando o jornalista não reside nem trabalha na região — à época dos fatos mais recentes, vivia em Guarapari, no Espírito Santo.

A coincidência não passa despercebida: dois delegados que exerceram cargos estratégicos na SEAP-RJ mantêm relações estreitas com membros do Judiciário fluminense. Um dos últimos secretários presos da pasta é filho de uma ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e do Tribunal Regional Eleitoral, ligação que, segundo denunciantes, garantiria trânsito privilegiado nos corredores do poder.

Processo ilegal, vida em risco

O caso mais grave envolve o processo nº 0008844-82.2021.8.19.0038, conduzido pelo juiz André Luiz Nicolitt. A ação, movida por um policial penal, nasceu de um registro de ocorrência de abril de 2020, mas a queixa-crime só foi apresentada em julho de 2021 — quase 10 meses depois de vencido o prazo legal.

Pela lei, isso extinguiria automaticamente a punibilidade. No entanto, o magistrado ignorou a decadência, manteve o caso ativo e autorizou que o Ministério Público oferecesse transação penal, como se o processo tivesse validade.
Para a defesa, isso não é apenas um erro processual: é desvio de finalidade com potencial letal.

“Quando o Judiciário é usado para forçar a entrega de endereço, deslocar forças policiais e monitorar um jornalista crítico a autoridades poderosas, estamos falando de risco concreto contra a vida. É um uso criminoso da toga”, alerta o advogado Kleber Pereira Marcelino (OAB/RJ 98.728), que representa o jornalista.

Concentração de processos levanta suspeitas

Segundo a representação enviada ao Conselho Nacional de Justiça, há fortes indícios de que a comarca de São Gonçalo está sendo utilizada como “foro de conveniência” por agentes públicos interessados em neutralizar o trabalho do jornalista.

“Não é possível que seis ações distintas, de autores diferentes, todas caiam na mesma comarca onde os denunciados têm conexões e influência. Isso não é acaso, é engenharia processual”, afirma Marcelino.

Relações perigosas

As investigações jornalísticas que motivaram as ações citavam nomes de agentes da Seap e denunciavam práticas como quebra ilegal de sigilos telefônicos e telemáticos — conduta atribuída a um delegado federal ligado a um dos querelantes.
O histórico da Seap é marcado por escândalos: ex-secretários presos, contratos milionários suspeitos e um secretário que saiu algemado do cargo sendo filho de uma desembargadora de altíssimo prestígio, que já presidiu tanto o TJ-RJ quanto o TRE-RJ.

Lawfare no Brasil

O caso se encaixa no conceito de lawfare, quando o aparato judicial é distorcido para fins de perseguição, intimidação ou neutralização de opositores. Aqui, porém, o alerta vai além: segundo a defesa, o objetivo não seria apenas silenciar o jornalista, mas colocá-lo em rota de risco físico, usando ordens judiciais para facilitar sua localização por pessoas que ele expôs em reportagens.

Enquanto o CNJ não decide se abrirá processo disciplinar contra o juiz, o jornalista segue sob o peso de múltiplas ações, todas tramitando em território dominado por conexões perigosas entre réus de escândalos penitenciários e a alta cúpula do Judiciário fluminense.